
Há muitos anos, tantos que já lhes perdi a conta, senti um vazio.
Não sei se acordei um dia e aconteceu ou se foi acontecendo aos poucos. Mas foi de repente que me apercebi do buraco que tinha no peito.
E foi nesse “de repente” que nem é dor nem é alegria, é “só” vazio, que percebi que não estava a respirar. Percebi que estava em apneia.
Olhei para a vida que tinha vivido e percebi que não a tinha escolhido… senti que a vida me tinha acontecido.
A infância (tímida), a adolescência (semi-irreverente), os (pseudo-loucos) anos na faculdade, o primeiro namorado, as primeiras vezes de muitas coisas, o primeiro emprego, o segundo, o terceiro, o casamento (meio-que-sonhado), o primeiro filho (o amor incondicional), o segundo filho (o presente do universo), o divórcio (inevitável). O turbilhão incessante da vida. O stress, as correrias, as coisas da casa, os miúdos, as festas, as viagens de sonho, as amigas, as lágrimas.
E eu em apneia. Sem estar presente em cada momento. A vida a acontecer-me.
Eu a “vivê-la” como se estivesse debaixo do mar. Os sons ao longe, os toques ao de leve, a respiração contida, o corpo parado. Tudo a acontecer fora de mim. Eu em apneia.
O vazio foi o melhor que me aconteceu.
Esse vazio trouxe as perguntas certas: “quem sou eu?”, “o que é a vida? É só isto?”, “o que quero para mim?”
E foi como se tivesse explodido algo dentro de mim. E, entre a dor, a alegria, a raiva e loucura, eu renascesse.
A partir desse dia, faço questão de sentir cada coisa na carne do meu corpo, rir com as maiores gargalhadas e chorar o coração inteiro, de procurar a verdade dentro de mim, conhecer-me, explorar-me, olhar de frente para os meus monstros. E sempre que posso grito, sonho, planeio, sofro, canto alto, danço como se não houvesse amanhã e prometo a mim mesma nunca mais voltar a adormecer. E neste processo, apaixono-me por mim todos os dias um pouco mais.
Estou viva! E a minha vida sou eu que faço!
Foi esse vazio que me salvou. Não é tão maravilhosamente contraditório?
E a ti, o que foi o melhor que aconteceu?